O que levou o CFM a afrouxar regras para cirurgia bariátrica
O que levou o CFM a afrouxar regras para cirurgia bariátrica - Mudanças na regra ampliam grupo de indicação do procedimento. Especialistas avaliam alteração como positiva, mas alertam para possível banalização da cirurgia.O Conselho Federal de Medicina (CFM) alterou as regras para a realização de cirurgias bariátricas no Brasil, ampliando o grupo para o qual o procedimento é indicado. Entre as principais mudanças está a indicação a adolescentes a partir de 14 anos e a pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30, os chamados obesidade de grau 1. Antes o IMC mínimo era 35.
O procedimento de cirurgia bariátrica é usado como tratamento da obesidade e das doenças relacionadas. Segundo os dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), entre 2020 e 2024, o Brasil realizou 291 mil cirurgias. Porém no último ano, a busca pelo procedimento caiu 18% em relação a 2023, sendo realizados pouco mais de 58,5 mil procedimentos.
O afrouxamento nas regras, segundo o CFM, baseia-se em evidências científicas atualizadas e em diálogos com sociedades médicas que analisaram o conhecimento que avançou nessa área nos últimos anos, podendo assim oferecê-lo com segurança para novos públicos. A resolução anterior que regulamentava essas práticas no país foi publicada em 2017.
"Tivemos vários estudos que mostram uma melhora na qualidade de vida e um aumento de sobrevida em pacientes que aram pelo procedimento, o que nos motivou a atualizar as nossas normas", diz Jeancarlo Cavalcante, 3º vice-presidente do CFM.
Aumento da obesidade
A cirurgia bariátrica tem como principal objetivo ajudar o paciente a emagrecer, mas também melhorar comorbidades como diabetes e hipertensão arterial.
Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica até 80% dos pacientes submetidos ao by gástrico – tipo de cirurgia bariátrica – tiveram remissão do diabetes tipo 2, enquanto a hipertensão arterial pode melhorar ou desaparecer em cerca de 60 a 70% dos casos.
Outro fator que influenciou na alteração das regras para a realização do procedimento no Brasil, foi o aumento da obesidade no país. Dados do Atlas Mundial da Obesidade 2025 mostram que um a cada três brasileiros vive com obesidade e essa porcentagem tende a crescer nos próximos cinco anos.
O relatório mostra que 68% da população tem excesso de peso – 31% têm obesidade e 37% têm sobrepeso. Ainda conforme o Atlas, 60,9 mil mortes que ocorrem de forma prematura no Brasil podem ser atribuídas às doenças crônicas devido ao sobrepeso e obesidade, como diabetes tipo 2 e acidente vascular cerebral (AVC).
O levantamento mostra também que o Brasil pode ter até 50% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos com obesidade ou sobrepeso em 2035. Isso significa que o país terá mais de 20 milhões de crianças e adolescentes obesos ou com sobrepeso.
Além disso, no país cerca da metade da população adulta, entre 40% e 50%, não pratica atividade física na frequência e intensidade recomendadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que adultos pratiquem pelo menos de 150 a 300 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana.
Risco de banalização e sobrecarga no sistema
Os especialistas são unânimes em enfatizar que a cirurgia bariátrica é apenas um tratamento para a obesidade e não a cura da doença. O procedimento é indicado após o paciente ar por análise de uma equipe médica e quando o tratamento clínico não surtir efeito.
"Quando se faz a cirurgia, há um ajuste de hormônios que melhora o controle da fome e da saciedade. No entanto, temos um número de pessoas que não é desprezível que, mesmo operadas, depois de alguns anos, volta a recuperar o peso porque a doença continua. Portanto, somente a cirurgia bariátrica não vai curar a obesidade", explica Cintia Cercato, presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) e diretora do departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Especialistas ouvidos pela reportagem da DW avaliam que é importante a alteração nas regras devido ao aumento da obesidade no país, porém chamam a atenção para uma possível banalização do procedimento cirúrgico, pois muitos acham que ele é uma questão estética que visa apenas o emagrecimento.
"Muitas pessoas acham que a cirurgia bariátrica é uma solução fácil enquanto ela não é. É necessário mudar o estilo de vida e, em alguns casos, fazer acompanhamento multidisciplinar por anos, para que não haja o reganho de peso", diz Rodrigo Barbosa, cirurgião digestivo subespecializado em cirurgia bariátrica do corpo clínico dos hospitais Sírio Libanês e Nove de Julho.
Para fazer o procedimento é necessária uma avaliação pré-operatória, que envolve uma equipe multidisciplinar e que abrange os campos nutricional, psicológico e endocrinológico. Apenas após esse acompanhamento há a indicação cirúrgica pelo próprio cirurgião bariátrico.
Sobrecarga do sistema
Nessa fase de acompanhamento pode haver sobrecarga do sistema, fazendo com que muitos pacientes desistam no meio do caminho. "A capacidade das instituições, principalmente públicas, de absorver pacientes com esse critério de indicação vai ficar mais dificultado, porque vai aumentar a demanda e um dos maiores empecilhos é o paciente aderir a um acompanhamento pós-operatório para reduzir o reganho de peso a longo prazo", explica Barbosa.
Segundo a SBCBM, o Brasil conta com 7.700 hospitais, em 5.568 municípios. Destes, apenas 98 serviços realizam a cirurgia bariátrica e metabólica pelo SUS, sendo que quatro estados brasileiros não oferecem o procedimento. Atualmente Amazonas, Rondônia, Roraima e Amapá não possuem serviços habilitados no SUS para bariátrica.
"O número total de cirurgias realizadas pelo SUS é de apenas 0,2% do total de pessoas que precisam deste tratamento para a obesidade. Enquanto isso, estamos vendo o sistema público recebendo a cada dia novos casos de pacientes com diabetes, hipertensão, gordura no fígado, problemas nas articulações e outros ocasionados pela obesidade", diz Antônio Carlos Valezi, presidente da SBCBM.
Como ficam as novas regras
Entre as principais mudanças nas regras para a realização da cirurgia bariátrica estão a redução do IMC mínimo para a cirurgia. Agora, pessoas com IMC entre 30 e 35 que tenham diabetes tipo 2, doença cardiovascular grave, apneia do sono grave, doença renal crônica precoce, doença gordurosa hepática e refluxo gastroesofágico am a poder realizar o procedimento. Não existe mais tempo mínimo de convivência com a doença ou idade para poder fazer o procedimento.
Antes, só podiam se submeter ao procedimento pacientes com dez anos de diagnóstico de diabetes, com mais de 30 anos e menos de 70 anos. Também era exigido que o paciente tivesse sido acompanhado por um endocrinologista por mais de dois anos, e não obtido resultados nos tratamentos clínicos.
O IMC é o peso em quilos dividido pela altura ao quadrado. Entre 25 e 29,9 é considerado sobrepeso. Se for superior a 30 é considerado obesidade grau I e são esses pacientes que am a ser abrangidos pela nova regra.
Adolescentes também foram abrangidos
Os adolescentes também foram incluídos e agora poderão ar pelo procedimento, a partir dos 14 anos – antes a idade mínima era de 16 anos. No entanto, para aqueles com idades entre 14 e 16 anos é necessário que eles tenham IMC acima de 40, que leve a complicações de saúde.
Os adolescentes entre 16 e 18 anos também vão poder fazer a bariátrica e só serão exigidos os critérios já pedidos para adultos, como IMC mínimo (30) e comorbidades.
"A obesidade em adolescentes tem crescido, e a nova regra vem para oferecer mais uma opção de tratamento àqueles casos mais graves onde já tem uma outra doença relacionada à obesidade", diz Carlos Schiavon, cirurgião bariátrico e presidente da ONG Obesidade Brasil.
A nova resolução também é mais específica em relação às características do local de realização da cirurgia bariátrica. Conforme o documento, o procedimento só deve ser realizado em hospital de grande porte, com capacidade para cirurgias de alta complexidade, com Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e plantonista 24 horas.
Autor: Simone Machado