Unificar eleições coloca municipais em segundo plano e incentiva voto nulo

A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) aprovou nesta quarta-feira (21) a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que propõe mudanças significativas no sistema político-eleitoral brasileiro. O texto extingue a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos e estabelece mandatos de cinco anos para todos esses cargos, incluindo deputados, senadores e vereadores.
A proposta de unificação merece uma análise criteriosa. Um dos principais argumentos dos defensores da medida é o custo: eleições, assim como um bom café, não são baratas no Brasil. A ideia é que, com menos pleitos, o país economizaria bilhões com logística, pessoal, segurança, propaganda e tudo o que envolve o processo eleitoral.
Mas, como apreciadora de café e de democracia, prefiro acreditar que o barato, muitas vezes, sai caro. Um café artesanal, cultivado com cuidado e moído na hora, custa mais, mas entrega sabor e consistência. Já o café corrido, feito com pressa e servido em copo de plástico, pode até matar a vontade —mas deixa um gosto amargo. Com as eleições, é igual: qualidade exige atenção, tempo e processo bem separado.
Os demais argumentos favoráveis, fora o financeiro, também convencem pouco. De saída, a defesa de que a unificação das eleições reduziria o desgaste do processo eleitoral —ao espaçar as campanhas para cada cinco anos— ignora um efeito colateral relevante: campanhas simultâneas tendem a ser mais caras e desiguais. Candidatos a cargos locais, como prefeitos e vereadores, enfrentariam grandes dificuldades para ganhar visibilidade diante da força e da polarização das campanhas estaduais e, sobretudo, da presidencial.
A proposta prevê a unificação de todas as eleições —municipais, estaduais e federais— a partir de 2034. A matéria segue agora para o plenário, com pedido de urgência.
O texto aprovado é um substitutivo do senador Marcelo Castro (MDB-PI) à proposta original apresentada por Jorge Kajuru (PSB-GO). Pela nova redação, mandatos de deputados federais, estaduais, distritais e de vereadores am de quatro para cinco anos.
A versão inicial previa que os senadores teriam mandatos de dez anos, mas uma emenda do senador Carlos Portinho (PL-RJ) padronizou o tempo para cinco anos também no Senado. A proposta ainda extingue o atual sistema de renovação parcial da Casa, determinando que todos os 81 senadores sejam eleitos de uma só vez, a partir de 2039.
Com a padronização dos mandatos, as legislaturas do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras municipais também ariam a ter duração de cinco anos. E, com isso, o calendário eleitoral será unificado: todas as eleições ocorrerão simultaneamente, a cada cinco anos. Atualmente, elas se revezam a cada dois anos —um ciclo para eleições municipais e outro para as gerais.
Da mesma forma, a alegação de que haveria maior clareza para o eleitor, que poderia comparar projetos e partidos em todos os níveis de governo, não se sustenta diante da realidade do eleitorado brasileiro. Ao contrário: votar em até sete cargos no mesmo dia (vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador, governador e presidente) representa uma sobrecarga cognitiva que pode levar à confusão, ao cansaço e ao aumento de votos nulos, brancos e da abstenção —um problema já sensível no país.
Outro risco grave é o da concentração de poder. A chamada "onda eleitoral", que já se manifesta nas eleições gerais, tenderia a se intensificar, favorecendo um único partido ou grupo político em todas as esferas de poder. Isso compromete o equilíbrio entre os Poderes e entre os entes federativos, justamente o contrário do que se pretende com a suposta "eficiência istrativa" de mandatos alinhados.
Ademais, com a unificação, temas locais correm sério risco de desaparecer do debate público, ofuscados por disputas estaduais e federais. Perderíamos o espaço qualificado de discussão sobre os problemas das cidades —onde, afinal, a vida acontece.
No plano prático, a logística se tornaria mais complexa. A Justiça Eleitoral teria que istrar, num único pleito, o registro e julgamento de um número imenso de candidaturas, analisar prestações de contas, julgar representações e garantir a lisura do processo —tudo isso com prazos curtos e simultâneos. Um sistema que já lida com limitações estruturais e orçamentárias seria ainda mais pressionado, correndo o risco de não dar conta de garantir um processo célere e justo. E, como se sabe, na Justiça Eleitoral, a lentidão pode significar a irreversibilidade de danos políticos.
Como apreciadora de café e de democracia, prefiro doses bem tiradas e bem separadas. Um voto de cada vez, com atenção ao que importa em cada esfera. Porque democracia, como café, não se faz em mistura apressada —pede tempo, cuidado e temperatura certa.
*Advogada, mestra em ciência política pela UFG, especialista em direito eleitoral, professora universitária, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) e associada fundadora do Instituto Brasileiro de Direito Parlamentar (Parla). É autora do livro "Introdução ao Direito Eleitoral".