Senado aprova projeto polêmico que muda regras de licenciamento ambiental
O Senado aprovou um projeto que torna mais fácil a emissão de licenças ambientais. A proposta recebeu 54 votos a favor e 13 contra. Agora, o projeto segue para a Câmara.
O que aconteceu
A Lei Geral do Licenciamento Ambiental simplifica e acelera o processo. Pela nova regra, o empreendedor é autorizado a começar a atividade sem a realização de estudos por parte de técnicos de órgãos ambientais. Basta se comprometer a respeitar exigências de preservação estabelecidas por uma lei.
O mecanismo se aplica a projetos com até médio porte e médio impacto poluente. Caso os parâmetros de preservação não sejam respeitados, haverá punição maior do que a atual. As barragens de Mariana e Brumadinho, que romperam em Minas Gerais (MG), são exemplos de empreendimentos de médio porte.
A mudança no licenciamento segue para a Câmara agora. A proposta é dos deputados e precisa retornar para a apreciação deles porque os senadores mudaram partes da lei.
A aprovação da proposta foi comemorada pelo agronegócio e pelo setor industrial. Visto como voz do agro, o senador Alan Rick (União-AC) afirmou que há pelo menos 5.000 empreendimentos parados por lentidão no licenciamento ambiental.
Relatora na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, Tereza Cristina (PP-MS) declarou que a aprovação vai destravar o país. A senadora é uma das parlamentares mais atuantes do agronegócio brasileiro e foi ministra da Agricultura no governo Jair Bolsonaro (PL).
Já a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) disse que há riscos de catástrofes. "Este projeto de lei abre brechas grandes para que fatalidades dessa natureza possam se repetir", disse a senadora ao se referir à tragédia de Brumadinho (MG). A fala ocorreu durante discussão na Comissão de Meio Ambiente, na manhã de ontem.
O projeto que muda as regras de licenciamento contou com apoio do presidente do Senado. Davi Alcolumbre (União-AP) usou o peso do cargo para agilizar o processo, permitindo, por exemplo, que a proposta tramitasse em duas comissões ao mesmo tempo (Meio Ambiente e Agricultura).
Alcolumbre abriu a sessão de hoje defendendo o projeto. Ele disse que a proposta resultará em investimentos e desenvolvimento. Acrescentou que hidrovias, ferrovias, estradas e o setor de mineração estão paralisados por causa de uma legislação ultraada. Ao encerrar a sessão, o senador disse estar com a "sensação de dever cumprido" e chamou a aprovação de "uma das maiores conquistas para o Brasil, uma lei fundamental para o desenvolvimento equilibrado do nosso país".
O que diz o projeto
A principal alteração é a implementação da LAC (Licenciamento por Adesão e Compromisso). Como o nome sugere, trata-se de um procedimento em que o empreendedor envia os parâmetros do projeto e recebe autorização para realizar o projeto desde que sejam atendidos critérios predeterminados.
Obras de saneamento básico foram incluídas na LAC. O Marco Legal estipula fornecimento de água a 99% da população até 2033. A meta para coleta de esgoto é de 90%.
Também foi estabelecido LAC para empreendimentos de pequeno e médio porte. O potencial poluidor máximo para Licença por Adesão e Compromisso nestes casos é médio.
Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias. O artigo 9º dispensa o licenciamento ambiental para quatro atividades agropecuárias, incluindo a pecuária extensiva. Na prática, o simples preenchimento de um formulário a a ser suficiente para garantir a dispensa.
Esta parte do projeto gerou polêmica. Durante o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, o STF (Supremo Tribunal Federal) já determinou que não cabe licença automática a empreendimentos com potencial médio de poluição.
Parlamentares governistas ameaçam acionar o Supremo. A possibilidade é criticada pela maioria que aprovou o projeto. Eles reclamam que a esquerda busca no Judiciário uma reversão da falta de votos que levou à derrota no Senado.
A bancada ruralista espera mais concessões. Lobistas do agronegócio relataram ao UOL que pretendem incluir empreendimentos de grande porte na regra da LAC quando o assunto voltar à Câmara. Existe a expectativa de votação até o final de junho.
Outro ponto polêmico envolve minorias. A nova lei afirma que somente terras indígenas homologadas e territórios quilombolas titulados (oficializados) devem ser considerados na análise ambiental. Dados do Instituto Socioambiental revelam que o país tem pelo menos 800 terras indígenas e somente 259 são homologadas.
Projetos estratégicos
A emissão de licenças para projetos estratégicos foi facilitada. Os senadores aprovaram uma emenda que determina prioridade dos órgãos ambientais na análise dos projetos destes empreendimentos mesmo que haja substancial impacto ambiental.
Caberá ao Poder Executivo determinar quais projetos são estratégicos. Este procedimento diferenciado se chamará LAE (Licença Ambiental Especial).
A emenda que deu origem a ele é do presidente do Senado. O texto deixa claro que trata de obras de alto impacto: "Instalação e operação de atividade ou de empreendimento estratégico, ainda que utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente".
Alcolumbre tem interesse em liberar projetos de grande dimensão. Parlamentar pelo Amapá, o senador é o grande defensor da exploração de petróleo na Margem Equatorial. A extração de combustível fóssil numa área sensível como a Amazônia sofre grande resistência.
Setor produtivo comemora
Representantes da indústria e do agronegócio fizeram lobby pelo projeto. Uma carta com de 87 entidades que representam estes dois setores foi divulgada ontem e encaminhada para parlamentares e veículos de imprensa.
O documento classificou a mudança aprovada pelo Senado como "racionalização do licenciamento ambiental". O texto alegou que a alteração nas regras tornou a emissão de licenças mais ágil e imparcial.
Empresários reclamam de demora excessiva nos processos. Uma queixa recorrente é a ausência de prazos e de critérios objetivos durante a análise dos técnicos de órgãos ambientais.
O senador Alan Rick (União-AC) foi um dos que criticaram o processo atual. O parlamentar declarou que muitas vezes são usadas posições ideológicas e não pessoais no momento de autorizar ou rejeitar um empreendimento.
Ambientalistas reclamam
O projeto foi apelidado de "PL da Devastação" por organizações ambientais. Elas consideram que o projeto representa o maior retrocesso em matéria de legislação ambiental dos últimos 40 anos, desde a Constituição de 1988, e lançaram campanha online contra sua aprovação.
A ambientalista Suely Araújo diz que o projeto é "a mãe de todas as boiadas". Para a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, o licenciamento ambiental brasileiro tem problemas, mas, em vez de resolvê-los, o PL se tornou uma "lei da não licença e do autolicenciamento".
Ministério do Meio Ambiente considera que o projeto viola princípios fundamentais da Constituição. Em nota, a pasta afirmou que o projeto "representa desestruturação significativa do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social no país".
Conflitos por uso da água e aumento da insegurança hídrica. Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da SOS Mata Atlântica, destaca o risco de crise hídrica porque o projeto desvincula a outorga de uso da água da análise do licenciamento ambiental. "Para um país que quer ser referência em ações climáticas, é uma boiada sem precedentes."
Licença para destruir. Para o Greenpeace Brasil, a decisão representa uma verdadeira "licença para desmatar e destruir" e pavimenta o caminho para novos desastres socioambientais.