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Marina quer reduzir danos do PL do Licenciamento Ambiental; veja o que muda

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fala com o senador Marcos Rogério durante sessão da comissão de Infraestrutura; ao fundo, o secretário-executivo do ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco - Geraldo Magela - 27.mai.2025/Agência Senado
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fala com o senador Marcos Rogério durante sessão da comissão de Infraestrutura; ao fundo, o secretário-executivo do ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco Imagem: Geraldo Magela - 27.mai.2025/Agência Senado
do UOL

Emilio Sant'Anna

Colaboração para o UOL, em São Paulo

02/06/2025 05h30

Após 21 anos e 199 emendas que alteraram o texto original, o projeto de lei, aprovado pelo Senado, que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental abriu um campo de batalha com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

O que aconteceu

O PL do Licenciamento Ambiental, aprovado pelo Senado no dia 21 de maio, é alvo de críticas da ministra, que vê "um golpe de morte" na legislação atual, impactando inclusive os negócios do Brasil com o exterior. Ambientalistas e comunidade científica apontam que o projeto significa um retrocesso e um risco ao 'patrimônio' verde do país.

PL original foi apresentado em 2004. Do texto inicial, no entanto, pouco restou. Em duas décadas, enquanto tramitava, ao projeto foram incorporadas medidas que "violam o princípio da proibição do retrocesso ambiental", de acordo com o ministério.

Após ser alvo de ataque de senadores em sessão da Comissão de Infraestrutura na última terça, 28, Marina Silva se reuniu com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O objetivo do encontro foi tentar desacelerar a tramitação do PL na Casa.

Entre as principais mudanças estão:

Criação de licença mais rápida e com critérios menos objetivos. A chamada LAE (Licença Ambiental Especial) acelera liberação de empreendimentos considerados "estratégicos" em uma única etapa, e não mais em três como é hoje. A licença foi pensada especialmente para atender ao setor de infraestrutura e energia, mesmo os que podem causar impactos ambientais. A medida facilita, por exemplo, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas.

Como é hoje: Atualmente, o licenciamento ambiental segue três fases - licença prévia, outra de instalação, e a licença de operação —, conforme normas federais e estaduais e de órgãos ambientais, como o IBAMA.

Licença autodeclarada. O PL cria a licença para atividades de médio impacto ambiental que é emitida com uma autodeclaração do empreendedor. Construção de rodovias vicinais ou a criação de gado semi-intensiva são exemplos de atividades dessa natureza. A fiscalização será feita apenas por amostragem.

Como é hoje: A licença nessa categoria segue um processo em que é necessária a apresentação de estudos. Além disso, os órgãos ambientais, como as secretarias estaduais, fazem vistorias para comprovar que o empreendedor está seguindo as regras.

De acordo com o ministério, essa alteração libera não só a construção de rodovias, como obras de dragagem. Isso contraria decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiram esse tipo de licença que coloca em risco áreas sensíveis e populações vulneráveis, como ribeirinhos.

Obras de saneamento básico poderão ser liberadas com licença autodeclarada. A ideia é facilitar o cumprimento do Marco Legal do Saneamento que estipula o fornecimento de água a 99% da população até 2033. A meta para coleta de esgoto é de 90%.

Como é hoje: Obras de saneamento precisam ar pelo processo completo de licenciamento ambiental, que inclui as três etapas: da Licença Prévia até a de Operação.

Novo PL restringe participação da sociedade civil. Simplificação de licenciamento tira de órgãos técnicos federais, como o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), o protagonismo para propor regras e assessorar o governo. Também conselhos estaduais, além de órgãos técnicos como Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), ou o Instituto do Patrimônio Histórico ficariam alijados do processo de aprovação de uma obra.

Como é hoje: Hoje a legislação prevê a participação de uma rede de órgãos e conselhos que garantem a inclusão da sociedade civil e de comunidades vulneráveis na formulação, execução e fiscalização das políticas ambientais. Entidades como o Conama, por exemplo, são compostas por membros do governo, pessoas indicadas por organizações ambientais, sindicatos e comunidade científica.

Atividades agropecuárias dispensadas de licenciamento. O texto dispensa o licenciamento ambiental para atividades como a pecuária extensiva, em grandes áreas. O avanço desse tipo de criação é uma das causas do desmatamento na floresta amazônica, alertam especialistas. Em nota, o ministério diz que "na prática, o simples preenchimento de um formulário a a ser suficiente para garantir a dispensa."

Como é hoje: Uma plantação de soja, por exemplo, que vai utilizar defensivos agrícolas e desmatar área para ser implantada, precisa de licenciamento. As únicas atividades agropecuárias que dispensam licenças hoje são as de pequenas propriedades familiares, sem uso de agrotóxicos e que não desmatam novas áreas para plantações ou criações.

Marina X Agronegócio

Embate com o agro. O PL é visto como uma derrota da ministra Marina Silva, que vê, além das políticas ambientais, sua posição contrária à aprovação da exploração de petróleo na Foz do Amazonas enfraquecer ainda mais.

A bancada ruralista sai fortalecida do episódio. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados, que pode acatar ou vetar as alterações feitas no Senado, como a emenda do presidente da Casa, Davi Alcolumbre. Na sequência, o texto poderá ser sancionado ou vetado pelo presidente Lula.

Texto do PL recebeu críticas

A aprovação do PL que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental recebeu críticas de organizações ambientais, especialistas e da própria Marina Silva. No dia seguinte, em evento do ministério em parceira com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, ela disse que não pode haver retrocesso nas agendas ambientais do país. "A gente não pode retroceder nem um centímetro nas agendas que o Brasil já avançou, inclusive no licenciamento ambiental, que agora sofreu golpe de morte", afirmou.

Para Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, o processo de licenciamento ambiental irá se transformar, na maior parte das vezes, em um rito istrativo sem avaliação dos impactos ambientais. "Contribuíram para o resultado a visão arcaica e negacionista da bancada ruralista, a miopia de representantes do setor industrial que querem meio ambiente só na esfera discursiva e a lentidão e fraqueza do governo federal em suas reações no Legislativo", diz.

Lembraremos por muito tempo do dia em que se fragilizou completamente a principal ferramenta de prevenção de danos da Política Nacional do Meio Ambiente.
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima

Para o Greenpeace Brasil, a decisão representa uma verdadeira "licença para desmatar e destruir". Segundo a organização, a medida pavimenta o caminho para novos desastres em um país que conhece de perto as consequências de tragédias socioambientais como as de Brumadinho, Mariana e Cubatão.

A aprovação deste projeto, sem debate suficiente e sem que a população tivesse conhecimento sobre o impacto real do texto, escancara a pressa dos senadores em desmontar os pilares da proteção ambiental no país.
Mariana Mota, gerente de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil.

Para a diretora de Políticas Públicas do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Gabriela Savian, o licenciamento mais rápido não pode significar um licenciamento mais frágil. Ela aponta que, nesse caso, a pressa pode produzir insegurança jurídica e riscos ambientais, além de ameaçar a confiança de investidores. "A agilidade dos processos de licenciamento a partir da sua simplificação não leva a uma maior eficiência, e sim a uma fragilização ambiental e climática, o que gera inseguranças para as atividades econômicas, assim como aumenta os riscos para os investimentos que serão aplicados nesses empreendimentos", diz Savian.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirma que o PL representa a desestruturação significativa da legislação que regula a emissão de licenças ambientais e representa risco à segurança ambiental e social no país. "Além disso, afronta diretamente a Constituição Federal, que no artigo 225 garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais."

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