'Derrubou o muro e bateu na minha cara': os relatos de briga entre vizinhos

Há cinco anos, a veterinária Giovana Giacomini, moradora de Foz do Iguaçu (PR), convive com as ameaças do vizinho, um idoso de 76 anos. A rotina, que envolve agressões verbais e dano ao patrimônio, foi compartilhada por ela em vídeos que viralizaram nas redes sociais. Mas, engana-se quem pensa que o caso é isolado. Relatos de situações de violência entre pessoas que dividem muros têm ganhado a internet.
É o caso da autônoma Julia de Almeida, de 25 anos, que também usou as redes sociais para relatar a briga com a vizinha, uma mulher de 70 anos. Tudo começou quando a vizinha suspeitou que Julia havia cortado o cabo da internet, que a acima da casa da jovem.
"Ela perguntou quem tinha cortado a internet dela, mas ninguém tinha mexido. O cabo dela ava pela minha casa. Os homens da internet foram lá no dia seguinte e eu perguntei se tinham cortado, e eles disseram que não, que a questão era na tomada."
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Julia e o marido moram de aluguel em Jaboti, município localizado ao norte do Paraná, e trabalham com a venda de lanches em casa. Segundo a autônoma, a vizinha também ou a vigiar as pessoas que frequentam o espaço. Diante da necessidade de aumentar a privacidade e evitar conflitos, o casal pediu à proprietária do imóvel autorização para construir um muro.
"Compramos o material e o pedreiro veio erguer o muro, mas ele foi embora porque não deu tempo de terminar. Ficou de voltar no outro dia para chapiscar e finalizar", conta a jovem.
Naquele dia, Julia disse que colocou a filha para dormir e decidiu ficar na sala. Por volta da meia-noite e meia, ela escutou um barulho e viu o muro, que ainda estava fresco, ser derrubado. A queda foi registrada por câmeras de monitoramento.
Estava ela e o ex-marido quebrando o muro com marreta e barra de ferro. Ela gritava 'o muro é meu'. Ficamos muito assustados. Os vizinhos acordaram. Ele (o ex-marido) só saiu de cima do muro, quando comecei a gritar que ela ficava me chamando para falar mal dele. Nos xingamos. Quando a polícia chegou, ela veio para cima de mim e bateu na minha cara. O meu marido me puxou na hora.
Julia de Almeida
A autônoma conta que, após a polícia ir embora, ainda durante a madrugada, a vizinha voltou a incomodar: "Ela jogou umas plantas no chão e disse que eu tinha estragado as flores dela. Eu e o meu marido nos trancamos e no outro dia fomos à delegacia registrar a ocorrência".
Ainda de acordo com Julia, a confusão seguiu nos outros dias. A vizinha ou a fazer ameaças e a inventar histórias sobre ela e o marido.
A autônoma publicou os vídeos da confusão nas redes sociais, e recebeu mensagens de ex-inquilinos da casa, que relataram problemas com a vizinha.
"Todos saíram daqui por causa dela. Ela fala coisas absurdas, que destelhamos a casa dela, que fazemos parte de uma quadrilha e que matamos pessoas. Nós não fizemos nada disso", relata.
Um dos filhos da vizinha, que mora no interior de São Paulo, enviou a Julia áudio encaminhado pela mãe com outra versão dos fatos.
"Eles estão ameaçando a mãe, filho. De um tempo para cá começaram a me perseguir. Fui aguentando por dois anos. No sábado, eu estava ando na área sozinha e a 'mulherzinha' estava lá fora com ele e falou: 'vamos matar ela, você pega, eu seguro e você mata'. Eu ouvi. Escutei bem lúcida que ela falou isso. Entrei e fiquei aqui dentro. Ela veio no meu portão me xingar, me mandou para o inferno. Eu entreguei tudo o que eles fizeram para mim até hoje. Falei que aqui não pode fazer muro porque eu ganhei ação contra o vizinho que morava aqui. Só pode colocar arame. Aceito arame, não pode pôr tijolo não, e eles fizeram por conta deles", disse a mulher no áudio enviado ao filho. A mensagem tem mais de uma hora de duração.
Também por áudio, o filho lamentou o ocorrido: "Tempos atrás ficava ligando para mim e meu irmão falando que tinha traficantes que queriam matar ela. Falamos para ir na polícia, mas ela não quis ir. Cada dia ela liga e conta uma coisa", disse o homem.
Uma audiência está marcada para o próximo dia 9 de junho no juizado criminal da cidade. Julia e o marido esperam Justiça.
"A casa é muito boa e não vou sair por causa dela para ir para uma casa inferior. Vou erguer um muro de novo, mas do lado da minha casa. Procuramos um advogado que possa nos ajudar, pois quero que ela pague o dinheiro que a gente gastou e pelo que caluniou e difamou a gente", pede Julia.
Por meio de nota, a Polícia Civil do Estado do Paraná informou que o caso foi registrado em boletim de ocorrência em 14 de maio deste ano. A equipe realizou oitivas com todos os envolvidos, e os supostos autores am termos circunstanciados pelos crimes de dano e ameaça. O procedimento foi encaminhado à Justiça.
Cloro na roupa e mudança de endereço
A publicitária Geovanna Delfino, de 28 anos, moradora de Belo Horizonte, tomou a decisão de mudar de apartamento após brigas frequentes com o vizinho do andar de cima. O conflito teve início devido ao uso compartilhado da máquina de lavar do prédio.
"Não havia escala de uso, então a gente sempre lavava quando a máquina estava livre. Um dia, este vizinho tirou minhas roupas da máquina e elas acabaram caindo e sujando. Precisei lavar novamente e tive que tirar as roupas dele da máquina, mas tomei cuidado para que não caíssem no chão. Alguns minutos depois, ele mandou uma foto no grupo do prédio falando que eu havia jogado as roupas dele no chão, e ali começou toda a saga de problemas que tivemos com ele", conta Geovanna.
Segundo a publicitária, após a primeira discussão, o vizinho, que até então era cordial, ou a implicar com ela e o namorado. Em uma das provocações, o homem teria manchado a roupa do casal estendida no varal.
Ele jogou água sanitária nas nossas roupas. Sabíamos que tinha sido ele, mas como sempre tinha apoio dos vizinhos, não acreditaram que poderia ter feito isso. Como éramos novos no prédio, a imagem que ficava era de que o problema era a gente. Ninguém vai desconfiar do rapaz simpático que tem um shitzu de estimação.
Geovanna Delfino
O ápice do conflito foi motivado por uma caixa de som. A publicitária disse que foi preciso acionar a polícia para conter o vizinho.
"Neste dia, ele falou que a gente tinha estragado a caixa de som dele e nos ameaçou. A caixa sempre ficava na entrada do prédio, onde todos tinham o, e, em um ano que estávamos lá, nunca tinha acontecido nada. Como ele estava muito alterado, precisamos chamar a polícia e registrar boletim de ocorrência. No outro dia, ele ligou a caixa e ela estava funcionando normalmente", afirma.
Cansada das brigas com o vizinho e em busca de soluções, a publicitária entrou em contato com a imobiliária, mas não obteve sucesso.
"Eles diziam que nada podia ser feito, porque eram desavenças entre vizinhos, e que a única coisa que podíamos fazer era nos mudarmos, mas tínhamos que esperar o tempo do contrato encerrar (um ano) para sairmos sem pagar multa", destaca.
Geovanna esperou terminar o contrato para deixar o apartamento. Os problemas que teve com o antigo vizinho e a busca por outro imóvel foram compartilhados nas redes sociais. A rotina de brigas com quem mora ao lado não faz mais parte da vida dela e do namorado.
"Durante o período que ficamos lá foi horrível. Nossa saúde mental ficou muito abalada, sem contar os prejuízos que tivemos, como as roupas manchadas, que não conseguimos repor todas as peças até hoje. Mas foi um alívio ter saído. Estamos em um condomínio mais organizado e tranquilo. Estamos em paz agora", destaca.
Casos de Justiça
Brigas entre vizinhos são comuns, especialmente em condomínios. Mayara Prado, advogada especialista em Direito Condominial, explica que as ocorrências estão relacionadas a questões com barulho, animais domésticos, espaços compartilhados, obras e reformas.
"Os casos mais frequentes envolvem festas, convidados, adolescentes rindo alto, móveis sendo arrastados, animais de estimação soltos, uso do elevador social, alto fluxo de prestadores de serviço, elevador de serviço sempre ocupado com entulho e mudança, briga e uso indevido das áreas comuns", explica.
Nestes casos, os processos podem tramitar nas áreas cível e criminal. "O cível geralmente envolve a reparação de dano moral, material, obrigação de não fazer, prestação de contas, entre outros. No criminal é comum processos relacionados a crimes de calúnia, difamação, injúria, preconceito, apropriação indébita, estelionato", destaca a especialista.