'Deserto': Grupo de teatro critica prefeitura de SP por desocupação na Luz

A Prefeitura de São Paulo deu prazo até o 9 de junho para que a Companhia Mungunzá, um dos principais grupos de teatro paulistano, desocupe o local onde funciona o Teatro de Contênier, na região da Luz, centro da cidade. Integrantes criticam a decisão e dizem que movimento é mais um o para elitizar a região.
O que aconteceu
Atores apontam ação coordenada para esvaziar a região. O teatro está localizado na rua dos Gusmões, próximo ao antigo "fluxo" da "cracolândia". Para o grupo, o envolvimento com a população usuária de drogas pode ter influenciado a decisão da prefeitura. "O teatro acaba sendo uma articulação política, um espaço de convergência", afirma o ator Leonardo Akio.
Transferência da sede do governo estadual teria acelerado processo, diz ator. "Há um processo de gentrificação que ganhou força com a chegada do Palácio dos Bandeirantes à região", diz Akio. "Começou com o desaparecimento da 'cracolândia', depois o fechamento de pequenos comércios, agora é a saída do teatro. É um momento de desapropriação da Luz. Está um deserto."
Prefeitura, que é dona do terreno, notificou grupo sobre desocupação. A notificação extrajudicial foi enviada em 26 de maio. No documento, o subprefeito da Sé, Marcelo Salles, afirma que o espaço "é um ponto estratégico para que seja instrumentalizado um novo programa habitacional municipal" e será usado como "hub de moradias sociais".
Companhia tenta negociar permanência desde o ano ado. Segundo Akio, o grupo conversou com a Secretaria Executiva de Projetos Estratégicos para permanecer no local e regularizar a ocupação. "Chegaram a sugerir uma realocação, mas sem dizer para onde." Ele diz, no entanto, que as conversas não prosseguiram. "Nós queremos ficar aqui. Nosso trabalho está ligado ao território, não faz sentido sair."
Prefeitura diz ter convidado representantes do teatro para uma reunião. De acordo com nota enviada ao UOL, gestão municipal diz ter convocado a conversa para a última quarta-feira —dois dias depois da entrega da notificação—, "na qual discutiria a situação no local". "Nenhum representante do teatro compareceu."
Questionada pela reportagem, prefeitura não detalhou projeto. Nota diz que o terreno será destinado ao atendimento de famílias cadastradas em serviços sociais e moradores da região, como parte das "integradas que vêm recuperando toda a região central da cidade".
GCM demonstrou interesse pelo local no ano ado
Secretaria Municipal de Segurança solicitou à gestão a cessão da área do teatro para uso do terreno. O UOL apurou que, em dezembro do ano ado, a GCM (Guarda Civil Metropolitana) mostrou interesse pela área, embora a prefeitura alegue que pretende construir moradia popular onde hoje está o Teatro de Contêiner.
Local é considerado "estratégico" para ações da GCM. O comandante-geral em exercício da GCM, Wilson Batista dos Santos, enviou o pedido ao então secretário municipal de Segurança Urbana, Alcides Júnior Fagotti —hoje secretário adjunto—, argumentando que o terreno poderia servir como base estratégica e de apoio às operações. Pedido que foi reado para Edsom Ortega Marques, secretário-executivo de Projetos Estratégicos. O UOL perguntou à prefeitura se pretende atender ao pedido. A gestão municipal não respondeu sobre esse questionamento.
Teatro ocupa espaço há 9 anos
Teatro foi criado há nove anos com estrutura modular e recursos próprios. O Teatro de Contêiner foi construído com dez contêineres marítimos, com laterais de vidro. O terreno foi cedido em dezembro de 2016, no último mês da gestão Fernando Haddad (PT) inicialmente por dois meses, com renovação em 2017, já com a prefeitura sob istração de João Doria (PSDB à epoca). O custo da obra foi de R$ 250 mil, bancado com recursos acumulados pela companhia ao longo de oito anos.
Companhia de teatro ampliou atuação com ações sociais e culturais. Desde então, a Mungunzá desenvolve no espaço oficinas, apresentações e serviços para a comunidade, em parceria com a prefeitura. No terreno, há hoje duas tendas da Secretaria Municipal da Saúde para atendimento à população da "cracolândia". Em conjunto com o coletivo Tem Sentimento, o grupo oferece aulas de costura para mulheres da vizinhança.
Grupo tem contrato vigente com a Secretaria Municipal de Cultura. Em 2023, a companhia firmou um Termo de Fomento com a pasta para executar projeto artístico-cultural, com duração até dezembro deste ano.
Leia a íntegra da nota da prefeitura
A Prefeitura de São Paulo informa ter convidado representantes do teatro para uma reunião na última quarta-feira, na qual discutiria a situação no local. Nenhum representante do teatro compareceu. A Prefeitura ressalta que vinha promovendo, desde o ano ado, reuniões com representantes do equipamento. A istração municipal reitera que a área será destinada a atendimento de famílias cadastradas em serviços municipais e moradores da região no âmbito das ações integradas que vêm recuperando toda a região central da cidade.